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sábado, 30 de julho de 2011

MARAVILHOSA GRAÇA

                                           MARAVILHOSA GRAÇA.

Fui criado em uma igreja que estabelecia limites distintos entre “a dispensação da Lei” e a “dispensação da Graça”. Embora ignorássemos muitas proibições morais do Antigo Testamento, tínhamos nossos próprios mandamentos prediletos rivalizando com os dos judeus ortodoxos. Lá no alto vinham o fumo e a bebida (contudo, como estávamos no Sul, com a sua economia dependente da tabaco, algumas permissões eram feitas para o fumo). O cinema vinha logo abaixo desses vícios, com muitos membros de igreja recusando-se até a assistir a The Sound of Music [O som da música]. O rock, naquela época, na infância, era igualmente considerado como uma abominação, com toda probabilidade demoníaca em sua origem.
Outras proibições – usar maquiagem e jóias, ler o jornal dominical, assistir ou participar de esportes aos domingos, homens e mulheres nadando juntos (curiosamente intitulados de “banho misto”), comprimento das saias para as moças, comprimento dos cabelos para os rapazes – eram obedecidas ou não, dependendo do nível espiritual da pessoa. Cresci com a forte impressão de que uma pessoa se tornava espiritual obedecendo a essas regras sem significado. Considerando minha própria vida, eu não conseguia perceber muita diferença entre as dispensações da Lei e da Graça.
Minhas visitas a outras igrejas me convenceram de que essa escada para atingir a espiritualidade é quase universal. Os católicos, os menonitas, as Igrejas de Cristo, os luteranos e os batistas do sul, todos têm suas próprias agendas de usos e costumes do legalismo. Você obtém a aprovação da igreja, e presumivelmente de Deus, seguindo o padrão prescrito.
Mais tarde, quando comecei a escrever a respeito do problema da dor, encontrei outra forma de não-graça. Alguns leitores levantaram objeções à minha simpatia com aqueles que sofrem. As pessoas sofrem porque merecem, elas me diziam. Deus as está
punindo. Tenho muitas dessas cartas em meu arquivo, declarações modernas dos “provérbios de cinza” dos amigos de Jó.
No seu livro Guilt and Grace [Culpa e Graça], o médico suíço Paul Tournier, um homem de profunda fé pessoal, admite: “Não consigo estudar com você este sério problema da culpa sem levantar o fato óbvio e trágico de que a religião – a minha própria como também a de todos os crentes – pode esmagar em vez de libertar”.
Tournier fala de pacientes que o procuraram: um homem abrigando culpa por causa de um antigo pecado, uma mulher que não podia esquecer de um aborto que fizera há dez anos. O que os pacientes realmente buscam, diz Tournier, é graça. Mas, em algumas igrejas encontram a vergonha, a ameaça do castigo e um sentimento de julgamento. Resumindo, quando procuram graça na igreja, com freqüência encontram não-graça.
Uma mulher divorciada contou-me que estava no santuário de sua igreja com sua filha de 15 anos de idade quando a esposa do pastor se aproximou. “Ouvi dizer que você e seu marido estão se divorciando. O que não consigo entender é, se vocês amam Jesus, por que estão fazendo isso?” A esposa do pastor nunca havia conversado com a minha amiga antes, e sua dura repreensão na presença da filha deixou-a perplexa. “A dor estava no fato de que eu e meu marido amávamos Jesus de coração, mas o casamento havia-se quebrado além do conserto. Se ela apenas tivesse me abraçado e dito: “Eu sinto muito...”.
Mark Twain costumava falar de pessoas que eram “boas no pior sentido da palavra”, uma frase que, para muitos, capta a reputação dos cristãos de hoje. Recentemente, estive fazendo uma pergunta a pessoas desconhecidas – pessoas sentadas ao meu lado no avião, por exemplo – quando buscava dar início a uma conversa. “Quando eu digo as palavras ‘cristão evangélico’, no que você pensa?” Em resposta, ouço principalmente suas descrições políticas: ativistas barulhentos a favor da vida, ou oponentes aos direitos dos homossexuais, ou proponentes para censurar a Internet. Ouço referências à Maioria Moral, uma organização desbaratada anos atrás. Nenhuma vez – uma única vez sequer – ouvi uma descrição com fragrância de graça. Aparentemente, esse não é o aroma que os cristãos distribuem pelo mundo.
H. L. Mencken descreveu um puritano como uma pessoa com um medo obsessivo de que alguém, em algum lugar, seja feliz; hoje, muitas pessoas aplicariam a mesma caricatura aos evangélicos ou fundamentalistas. De onde vem essa reputação de retidão sem alegria? Um artigo da humorista Erma Bombeck nos dá uma pista:
Domingo passado, na igreja, eu prestava atenção a uma criança que se virava para trás e sorria para todos. Ela não estava fazendo nenhum barulho, nem estava cantarolando, ou
chutando, nem rasgando os hinários, nem mexendo na bolsa da mãe. Apenas sorrindo. Finalmente, sua mãe olhou para ela com cara feia e num sussurro teatral que poderia ser ouvido em um pequeno teatro da Broadway, disse: “Pare de sorrir! Você está na igreja!”. Em seguida, deu-lhe um tapa e, quando lágrimas começaram a rolar pela face da criança, a mãe acrescentou: “Assim é melhor”, e retornou às suas orações...
Subitamente, eu fiquei zangada. Percebi que o mundo inteiro está em lágrimas e, se você não está chorando, é melhor começar. Eu quis abraçar aquela criança com o rosto molhado de lágrimas e lhe falar a respeito do meu Deus. O Deus feliz. O Deus sorridente. O Deus que precisava ter senso de humor para ter criado gente como nós... Por tradição, as pessoas usam a fé com a solenidade de acompanhantes de enterro, a seriedade de uma máscara trágica e a dedicação de um participante do Rotary.
Que loucura, eu pensei. Aqui está uma mulher sentada ao lado da única luz ainda existente em nossa civilização – a única esperança, nosso único milagre – nossa única promessa de infinidade. Se ela não podia sorrir na igreja, para onde deveria ir?
Essa caracterização de cristãos certamente está incompleta, pois conheço muitos cristãos que personificam a graça. Mas em algum ponto da história a igreja conseguiu receber uma reputação de falta de graça. Como orou uma menininha inglesa: “Ó Deus, transforme as pessoas ruins em pessoas boas, e as pessoas boas em pessoas agradáveis”.
PHILIP YANCEY
Texto extraído do livro “Maravilhosa Graça”, ed. Vida,
págs.28/31.

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